domingo, 17 de agosto de 2008

ESTRANHOS EMBORA PRÓXIMOS


Por que ocorreu tanta comoção social no caso Isabella?
A comoção causada pela morte da menina Isabella Nardoni tem explicações que transcendem a barbaridade do assassinato e suas circunstâncias. Crimes igualmente hediondos nem sempre tiveram a mesma repercussão, na imprensa e na sociedade - o que pode ser atribuído, em parte, ao fato de a vítima ser uma criança, bem como à possibilidade, cada vez mais palpável, de os assassinos serem seu pai e madrasta. Mas isso não explica porque outros crimes abjetos são rapidamente esquecidos – por exemplo, o da adolescente que matou a mãe com 27 facadas em Boa Vista, no dia 7 de abril, para em seguida assistir a um show da banda Calypso, ou outros casos que todos os dias aparecem nos jornais, mas diante dos quais parecemos anestesiados e agora o também crime brutal acontecido em Goiana em que a jovem inglesa foi morta e esquartejada, que certamente também desaparecerá da nossa memória então novamente a pergunta, Por que o caso Isabella ainda causa tanta comoção social? Por que supostos assassinos não estão em liberdade?
O que comove, revolta e mobiliza a sociedade, no caso de Isabella, é a proximidade. O brasileiro médio que acompanha o caso reconhece, em alguma medida, Alexandre e Anna Carolina Jatobá como seus iguais: quantas pessoas, assistindo ao vídeo em que o casal passeia com os filhos num shopping, horas antes do crime, não se viram naquelas imagens - imagens de uma família normal, de classe média, numa situação cotidiana, numa grande cidade? A mensagem assombrosa que aquelas imagens passam é a de que pessoas comuns, que receberam educação, que têm conforto, que são socialmente integradas podem, de um momento para o outro, se transformar em monstros e matar.
Daí o imperativo de se entender exatamente o que aconteceu, como e por quê; daí a cobrança para que os criminosos não fiquem impunes: pois somente a solução do caso e a punição dos culpados permitirão entender e isolar o componente de agressividade e crueldade potenciais que pessoas aparentemente normais também carregam dentro de si.
O caso Isabella dá medo, porque não se entende, mas também porque está muito próximo de “nós”. Não foi um crime cometido pelos “outros” (como no caso do menino João Hélio), por marginais que não têm nada a perder, mas por gente com quem “nós” poderíamos nos relacionar cotidianamente. Esta proximidade é angustiante, pois sugere que o crime não decorreu de uma situação de exceção, estranha ao nosso mundo, ao contrário: ele se deu numa situação de normalidade, mesmo levando em conta as peculiaridades do caso (já que fazem parte da normalidade aceitável o convívio entre filhos de uniões diferentes, o ciúme e mesmo os desentendimentos de casal).
Por que então pessoas tão iguais a nós, ou seja, pessoas normais cometem crimes com requintes de crueldade e sem remorso ou qualquer sentimento? Por que pessoas que deveriam proteger seus filhos matam?
Num ponto fundamental, porém, uma característica dos criminosos – e neste ponto eles voltam a se distanciar de “nós” para se transformar em “outros” - não deveria ser normal: justamente, a incapacidade de reconhecer na vítima um ser humano igual, com igual e sagrado direito à vida. Mas a psicopatia dos assassinos também sinaliza uma psicopatia social: num ambiente de crescente ambivalência moral, em que as fronteiras entre certo e errado são cada vez mais relativizadas, em que os únicos valores reconhecidos são aqueles associados ao êxito individual, esta atitude de indiferença pelo outro não é tão estranha – ainda que nem sempre resulte em tragédias. Quanto mais frágeis são os valores morais de uma sociedade, menor fica a distância entre um impulso agressivo e um ato criminoso.

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